Dois dedos de conversa com aqueles que não sabem e aqueles que acreditam que “não há príncipe azul no elefante cor-de-rosa”

João Baeta, Porto, Março 2008

 

Comecemos por analisar o nome da exposição não há príncipe azul no elefante cor-de-rosaque Rute Rosas nos mostra no Espaço Ilimitado no Porto. Antes de mais nada é estranho, no entanto familiar. Remete-nos para uma história daquelas que se contam para adormecer as crianças. Será toda a frase uma afirmação de impossibilidade e incerteza? Uma imagem retirada de um conto trágico-cómico, com um tom burlesco, como se a realidade se pintasse de cores que representam tristeza e sonho (o azul e o cor-de-rosa). Vejamos a expressão I'm blue, relembremos o sonho americano e o significado que é atribuído ao azul em determinado contexto e imaginário anglo-saxónico. Revisitemos também as imagens do bailado satírico Dança das Horasno filme Fantasia de Walt Disney (1940) com música do mesmo nome de Amilcare Ponchielli, onde um grupo de diferentes animais representam as diferentes horas do dia. Percebemos que é preciso revelar, entender, digerir. Que nada é aquilo que parece. E com o que é que deparamos na exposição? Entramos num cenário: verdadeiro ou falso? Realidade ou ficção? Percebemos que entramos numa casa sem um ser humano. Móveis vazios entreabertos, ramos de rosas secos, rendas e bordados, fios e agulhas, cravos brancos, licores e biscoitos, televisão ligada sem emissão (ruído rosa)... O que aconteceu aqui, neste lar? Talvez castelo abandonado. Alegria, prazer, isolamento e solidão, mal-estar, dor, abandono...? Então, porque apesar de ausente o corpo, a sua presença ainda é mais fortemente sentida? Não está aqui! Como? Não tem Rute Rosas tida como centro fulcral do seu discurso, o próprio corpo? O corpo transcende-se quando não existe. Transforma-se em memória que não pertence à artista mas ao espectador. Percebemos que podemos estar, estar apenas. Rute Rosas sem pretender criar qualquer tipo de convenção ou determinar o modo como deverá o espectador observar, sentir a obra, cria as condições que não inibam ou camuflem memórias sensoriais afectivas, que obviamente serão diferentes de espectador para espectador. É esta questão que reflecte de modo mais evidente diferenças na sua abordagem e discurso. Agora, Rute Rosas não atribui ao espectador ou fruidor um lugar confortável.

 

Texto escrito para a exposição “não há príncipe azul no elefante cor-de-rosa”, Espaço Ilimitado, Porto, Abril/Maio 2008.